sexta-feira, 29 de julho de 2011

Quase 70% dos desvios de verba ocorrem na educação e na saúde

Corrupção seria facilitada pelos repasses serem de valores baixos
Por Mathias Rodrigues
Sedufsm – Seção Sindical
Segundo dados divulgados pelo diretor do Departamento de Patrimônio e Probidade da Advocacia Geral da União (AGU), André Luiz de Almeida Mendonça, entre 60 e 70% dos desvios de dinheiro público no Brasil ocorrem nas áreas da Educação e Saúde, além de saneamento básico. Para Mendonça, tal percentual é justificado pela maior facilidade de corrupção nestes setores, que trabalham com altos volumes de recursos, mas sempre com repasses de valores baixos, o que dificulta a fiscalização pelos órgãos de controle como AGU e Controladoria Geral da União (CGU).
Legalmente, os crimes nessas duas áreas são considerados hediondos. Na Saúde, a falta de verba, por conta dos devios, resulta em um mau atendimento pelo sistema público, com menos equipamentos e medicamentos e ainda profissionais mal pagos e com menos capacitação. Esse conjunto de fatores literalmente condena à morte milhares de cidadãos por ano.
Pelo lado da Educação, além da má formação dos alunos, os desvios até em recursos destinados à merenda escolar também contribuem para afetar a saúde dos estudantes, que muitas vezes tem nessa alimentação sua principal fonte de nutrientes. Nesta área, os conselhos tutelares são fundamentais para fiscalização e denúncia ao Ministério Público de eventuais crimes. Hoje, no Brasil, apenas 1,6% dos municípios não possui conselhos, segundo levantamento do IBGE em 2009.
Além dos desvios de verbas, as duas áreas também recebem poucos recursos se comparadas ao destinação dada pelo governo a outros investimentos. Atualmente são investidos em torno de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação e 4% em saúde, enquanto mais de 46% são destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Segundo Marina Barbosa Pinto, presidente do ANDES-SN, há de se inverter as prioridades na hora de se investir em educação. “O ANDES-SN propõe que se assuma a educação pública como uma prioridade. Significa que, havendo o aumento de arrecadação do país, é necessário investir mais em educação, e portanto alterar o percentual do PIB destinado à educação”, observou Marina.


Novo PNE: uma sistematização da contra reforma do ensino superior


Novo PNE: uma sistematização da contra reforma do ensino superior
Clara Saraiva, da Comissão Executiva Nacional da ANEL

Está tramitando no Congresso Nacional o projeto de Lei 8035/10 que estabelece o novo PNE. O Plano Nacional de Educação é uma previsão constitucional, cujo objetivo é estabelecer diretrizes e metas para a educação em todos os níveis num período de 10 anos. Antes de analisarmos o conteúdo do novo plano é preciso fazer um balanço do antigo: o PNE 2001 – 2010 – Projeto de Lei 10 172/2001.

O que dizia o PNE 2001 – 2010 e o que ocorreu na prática?
O plano nacional de educação aprovado no Congresso Nacional em 2001 estabelecia 295 metas para o próximo decênio, entre elas estava a destinação de 7% do PIB (Produto Interno Bruto) para educação, a erradicação do analfabetismo, o combate à evasão escolar e a ampliação do acesso ao ensino superior. A análise comparativa de alguns dados sobre a educação brasileira já nos permite tirar conclusões:
· O taxa de analfabetismo segue sendo muito alta, 9,7% em 2010[1]. Em 2000, a taxa era de 13,6% e a meta do PNE era a erradicação do analfabetismo em 2010. A comparação com outros países da América Latina não deixa dúvidas sobre o tamanho do problema, no Uruguai, na Argentina e no Chile as taxas variam entre 2% e 4 %.
· A evasão escolar aumentou. Entre 2006 e 2008, o índice passou de 10% para 13,2 %. A meta do PNE era reduzir 5 % ao ano.
· O número de jovens no ensino superior segue sendo muito baixo, 14,4%[2] em 2009. A meta do PNE era chegar a 30 % dos jovens no ensino superior. Nesse ritmo, o país demoraria 59 anos para cumprir a meta. O Brasil também é campeão de exclusão neste aspecto, nos outros países da América Latina a porcentagem de jovens no ensino superior é muito maior: Argentina 40%,
Chile 20,6%, Venezuela 26% e Bolívia 20,6%.
Na última década o ensino superior pago cresceu duas vezes mais do que o público. A meta do PNE era ofertar 40 % das vagas do ensino superior na rede pública, em 2002 esse índice era de 29% e em 2010 é de 25%.
· A desigualdade no acesso ao ensino superior é altíssima. Apenas 5,6 % dos jovens que tem rendimentos mensais per capita de meio a um salário mínimo cursam o ensino superior. Para os jovens que se encontram na faixa de cinco salários mínimos ou mais, a porcentagem sobe 10 vezes: 55,6% cursam o ensino superior.
A implementação do PNE foi um fracasso, 2/3 das metas não foram cumpridas. O governo aponta uma série de motivos, excesso de metas, falta de indicadores que pudessem aferir o andamento das metas, falta de planejamento dos estados e municípios, etc. No entanto a opinião majoritária entre os especialistas, inclusive entre os que apóiam o governo, é que a razão central do fracasso foi a ausência de recursos.
O Governo de Fernando Henrique Cardoso vetou, já em 2001, a destinação de 7 % do PIB para a educação. Durante os oito anos do Governo Lula, o veto foi mantido e o investimento em educação não chegou nem perto do previsto pelo PNE. A principal conclusão possível de chegar relação ao antigo PNE é que sem um investimento expressivo de recursos, o plano se tornou uma bela declaração de intenções sem viabilidade prática.

O novo PNE

Depois de uma década de ineficiência na solução de problemas cruciais da educação brasileira, o papel que o novo PNE deveria cumprir era o de estabelecer uma mudança profunda no investimento em educação. É preciso investir imediatamente 10 % do PIB e dar as bases para que a educação brasileira possa dar um salto. Sem isso o debate daqui a 10 anos será novamente a constatação de que estamos no mesmo lugar.
O novo PNE tem uma história muito distinta dos anteriores, a começar pela sua elaboração. A Conferência Nacional de Educação – CONAE reunida em Brasília em 2010 já não tem nenhuma semelhança com a Conferência de Belo Horizonte que elaborou o PNE – Proposta da Sociedade Brasileira em 1997. Organizada e totalmente controlada pelo MEC, a conferência reuniu representações dos empresários, do governo e dos trabalhadores. A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, a Confederação Nacional dos Empresários e a Confederação Nacional da Indústria fizeram parte da Comissão Organizadora da CONAE, certamente esses sindicatos patronais não tem nenhum interesse comum com estudantes, trabalhadores em educação e movimentos sociais. Não têm sequer compromisso com a educação pública e com os interesses dos trabalhadores e do povo pobre brasileiro.
Muitas das entidades do movimento social presentes, CUT, UNE e UBES já não são mais as mesmas, em 1997, eram parte do movimento social combativo, formadoras de opinião crítica aos projetos neoliberais para a educação. Depois da chegada do PT ao Governo Federal, essas entidades não fizeram uma crítica sequer e apoiaram todos os projetos aprovados nos últimos oito anos, inclusive aqueles que se chocavam diretamente com o PNE da sociedade brasileira.
Mas o pior é que o governo não cumpriu nem as deliberações da conferência controlada por ele. A destinação de 10 % do PIB para educação, aprovada pela CONAE foi solenemente ignorada e no texto do novo PNE entrou apenas uma versão piorada do PNE anterior. Ou seja, o que era para ter sido o investimento anual em educação desde 2007, é a meta do Governo Dilma para 2020. Além disso, o PNE de 2001 definia claramente o percentual a ser acrescido a cada ano, 0,5 % do PIB nos quatro primeiros anos e 0,6 % em seguida. O novo PNE estabelece genericamente o prazo de 10 anos e no artigo 5° ainda abre a possibilidade de reavaliação da meta em 2014.
Enquanto o PNE 2001-2010 era um documento de 100 páginas dedicado a analisar a educação em seus distintos níveis estabelecendo objetivos e metas extensivas, o novo PNE é um documento de 14 páginas e 20 metas. A grande maioria delas é uma mera repetição das metas não cumpridas. O objetivo de incluir 30 % dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior em 2010 virou 33 % para 2020. A erradicação do analfabetismo e o atendimento de metade das crianças de 0 a 3 anos na educação infantil também ficaram para 2020.
Há também aquelas metas que apesar de não cumpridas, foram esquecidas e sequer são citadas no novo PNE, como a oferta de ao menos 40 % das vagas do ensino superior nas instituições públicas.
Entretanto, o problema do novo PNE não é somente a insuficiência das metas, mas a incorporação como uma política de estado de todos os projetos educacionais do governo Lula, que durante os últimos oito anos significaram uma verdadeira contra reforma da educação no Brasil. Vejamos cada um deles:

· REUNI – Decreto 6096/07
Aprovado em abril de 2007, o Decreto 6096 institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). O referido decreto segue o projeto educacional iniciado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, tem como objetivo central “criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais”. Retomando as metas estabelecidas pelo Ministério da Educação no período de Paulo Renato/FHC, Fernando Haddad e Lula aprofundam os planos de “diversificação institucional”, desta vez de forma mais clara, não apenas com a expansão do ensino privado, mas através de um modelo a ser implantado nas universidades federais.
O decreto impõe uma série de metas a serem cumpridas pelas universidades federais e condiciona o recebimento de recursos ao cumprimento das metas. No prazo de cinco anos, as universidades têm que dobrar suas vagas na graduação com um acréscimo de apenas 20% das verbas.
A ANEL defende em seu programa a ampla expansão de vagas na educação superior pública com qualidade no ensino e assistência estudantil. Não temos que escolher entre expansão precarizada ou universidade elitizada. Por isso somos contra as metas do REUNI, que foram incorporadas no novo PNE e estendidas à educação profissional conforme demonstra o trecho que citamos abaixo:
Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 11. Estratégia 11.10 Elevar gradualmente a taxa de conclusão média dos cursos técnicos de nível médio na rede federal de educação profissional, científica e tecnológica para 90% (noventa por cento) e elevar, nos cursos presenciais, a relação de alunos por professor para 20 (vinte), com base no incremento de programas de assistência estudantil e mecanismos de mobilidade acadêmica.
Meta 12. Estratégia 12.3 Elevar gradualmente a taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais nas universidades públicas para 90% (noventa por cento), ofertar um terço das vagas em cursos noturnos e elevar a relação de estudantes por professor para 18 (dezoito), mediante estratégias de aproveitamento de créditos e inovações acadêmicas que valorizem a aquisição de competências de nível superior.
O que significam essas duas metas:
· Elevar a taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais nas universidades públicas para 90%.
Elevar para 90% a taxa de conclusão média dos cursos de graduação significa que numa determinada universidade o número de concluintes num determinado ano tem que ser 90% do número de estudantes ingressantes 5 anos antes. É um número muito alto: no Brasil essa média é hoje 60 %. Nos Estados Unidos, essa taxa é de 66%, na Suécia 48%, o único país do mundo cuja taxa de diplomação é aproximadamente 90 % é o Japão, que tem condições culturais e econômicas bastante distintas das nossas. Essa meta abre o caminho para políticas de aprovação automática e incentiva a implementação de cursos de menor duração. Por outro lado, o governo não incentiva a criação de mecanismos para a queda na evasão, já que o que importa são os alunos que no final ficam na universidade, ou seja, não cabe às estatísticas avaliarem se os alunos evadidos são substituídos por meio de transferências, o que importa são os números atingidos no final.
· Elevar a relação de estudantes por professor para 18 (dezoito) nas federais e para 20 nos cursos técnicos federais
Pode não parecer muito um professor para 18 alunos, já que nas salas de aula geralmente têm bem mais que isso. Mas hoje, a relação professor aluno nas universidades federais é de 10,4 e na realidade já faltam professores, ou seja, é impossível elevar a relação professor aluno atual sem precarizar a educação. Para concretizar essa meta as atividades de pesquisa e extensão têm que diminuir e o número de estudantes em sala de aula aumentar. No documento que estabelece as Diretrizes Gerais para o REUNI o MEC prevê uma média de 45 alunos por sala de aula. No entanto, isso é uma média, como determinadas disciplinas que necessitam de um número reduzido de alunos em sala, como as de laboratório, 10 ou 20, outras classes teriam mais de 100 estudantes, como já acontece em diversas universidades.

· SINAES / ENADE
A Lei 10861 de 2004 institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE como uma das formas de avaliação.
O projeto de avaliação foi um dos primeiros passos dados pelo governo na Reforma Universitária, é um mecanismo regulação-supervisão do governo e considera como critério de avaliação à aplicação dos demais projetos da reforma universitária. Assim, serão bem avaliadas as instituições que tiverem boas relações com o mercado, conforme determina a Lei e Inovação Tecnológica e o Decreto das Fundações; bom desempenho, entendido como uma competição entre as instituições; responsabilidade social, como fazer parte do ProUni; gestão nos moldes do governo, com maioria de docentes nos conselhos, criação de Conselhos com a participação da “sociedade civil”, etc. O SINAES é portanto um mecanismo de subordinação das universidades aos projetos do Governo Federal.
O ENADE substituiu o Provão do Governo FHC. É uma prova obrigatória feita por todos os estudantes no início e no final do curso, quem não comparecer não recebe o diploma. O ENADE permite o ranqueamento das universidades, a divulgação dos números é parte do marketing das grandes empresas da educação e muitas faculdades pagas chegam a dar cursos preparatórios para as provas.
Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 13. Estratégia 13.1 Aprofundar e aperfeiçoar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES, de que trata a Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, fortalecendo as ações de avaliação, regulação e supervisão.
Meta 13. Estratégia 13.2 Ampliar a cobertura do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE, de modo a que mais estudantes, de mais áreas, sejam avaliados no que diz respeito à aprendizagem resultante da graduação.

· Expansão do FIES para educação profissional e para a pós graduação
O FIES – Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior – FIES foi criado pelo Governo FHC ampliado pelo governo Lula e agora expandido ao nível técnico e à pós graduação pelo novo PNE. É um mecanismo de transferência direta de dinheiro público para o ensino pago. O Governo paga para a instituição privada na forma de empréstimo ao estudante, que restitui o valor à caixa econômica federal depois de formado. As instituições privadas sofrem com altos índices de inadimplência e o FIES, junto com o PROUNI, são fontes de recursos certos para essas empresas e o estudante além de ter acesso a cursos de baixa qualidade ainda se formam com uma dívida colossal que os acompanha pelo dobro do tempo do curso (em média 10 anos).
Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 12. Estratégia 12.6 Expandir o financiamento estudantil por meio do Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior – FIES, de que trata a Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, por meio da constituição de fundo garantidor do financiamento de forma a dispensar progressivamente a exigência de fiador.
Meta 11. Estratégia 11.6 Expandir a oferta de financiamento estudantil à educação profissional técnica de nível médio oferecidas em instituições privadas de educação superior.
Meta 14. Estratégia 14.3 Expandir o financiamento estudantil por meio do Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior – FIES, de que trata a Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, à pós-graduação stricto sensu, especialmente ao mestrado profissional.

· Novo ENEM
Utilizar o Exame Nacional do Ensino Médio como critério de acesso ao ensino superior foi um dos últimos projetos implementados pelo governo Lula. A aplicação do exame foi um desastre logístico, as provas foram roubadas, o SISU (Sistema de Seleção Unificada) divulgou resultados errados, o caderno de respostas foi trocado, etc. Sem dúvida o vestibular precisa acabar, mas a idéia de distribuir todas as vagas entre todos os estudantes do país não é menos excludente, nem menos meritocrática. Os melhores passam nas melhores vagas e quem tem mais dinheiro tem mais condições de estudar, seja perto, seja longe de casa. Democratizar o ensino superior através de uma nova prova unificada é uma demagogia, não vai à raiz de nenhum dos problemas do ensino superior. O que justifica a necessidade do vestibular é a alta competição pelas vagas e o baixíssimo número de vagas oferecidas no ensino superior. Enquanto essa contradição se mantiver, nenhuma mudança na forma de seleção resolve o modelo excludente que separa os ingressantes do ensino médio de uma vaga no ensino superior. Além disso, a ausência de políticas de assistência estudantil impede ou no mínimo dificulta muito que a mobilidade estudantil seja uma realidade para os estudantes de baixa renda.
Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 3. Estratégia 3.3 Utilizar exame nacional do ensino médio como critério de acesso à educação superior, fundamentado em matriz de referência do conteúdo curricular do ensino médio e em técnicas estatísticas e psicométricas que permitam a comparabilidade dos resultados do exame.

· Mestrado e Doutorado à distância
A criação da Universidade Aberta do Brasil e com ela milhares de vagas no ensino a distância foi a principal forma de expansão do ensino superior nos últimos oito anos. O ensino à distância na rede pública cresceu 10.410%[3] e 503% na rede privada[4]. O PNE segue a mesma lógica e expande o ensino à distância para o mestrado e o doutorado. A comparação neste aspecto entre o novo PNE e o antigo revela as diferenças entre ambos, no PNE 2001-2010, o tema do ensino à distância era tratado no marco do uso de tecnologias para a aprendizagem ressalvadas explicitamente que as mesmas não deveriam substituir a relação aluno – professor: “A televisão, o vídeo, o rádio e o computador constituem importantes instrumentos pedagógicos auxiliares, não devendo substituir, no entanto, as relações de comunicação e interação direta entre educador e educando.” (grifo nosso).
Também neste aspecto o governo não cumpriu o PNE anterior, já que substituiu totalmente a interação direta entre educador e educando, formando milhares de professores e futuramente formará doutores que nunca entraram numa sala de aula. O novo PNE incorpora e amplia a Universidade Aberta do Brasil.
Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 14. Estratégia 14.4 Expandir a oferta de cursos de pós-graduação stricto sensu utilizando metodologias, recursos e tecnologias de educação à distância, inclusive por meio do Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB.

· PRONATEC
O número de matrículas no ensino técnico cresceu 74,9 % nos últimos anos, chegando a 1,14 milhão. Essas vagas foram criadas em função das demandas da grande indústria que aumentou com o crescimento econômico. O PRONATEC é um programa elaborado pelo Governo Dilma em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI). A proposta do programa é oferecer bolsas e financiamento estudantil em troca da isenção de impostos. É uma versão ainda mais privatizante que o PROUNI, com envio direto de dinheiro para o setor privado, não somente via isenção de impostos. Através do BNDES, o governo pretende oferecer financiamento ao Sistema S (SENAI, SESC, SESI, SENAC). Em contrapartida os estudantes do ensino médio de escolas públicas poderão fazer cursos gratuitos no horário em que não estão na escola. A previsão é atender 1,6 milhão de alunos no programa. O orçamento deste ano será de 1 bilhão, ou seja 1/3 do que foi cortado da educação pública.
Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 11. Estratégia 11.5 Ampliar a oferta de matrículas gratuitas de educação profissional técnica de nível médio pelas entidades privadas de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.

Não ao PNE do governo!
O movimento social da educação, que se manteve comprometido com os interesses dos trabalhadores, passou os últimos oito anos combatendo esses projetos. Muitos deles enfrentaram resistência ampla na comunidade acadêmica nas universidades. O REUNI em especial, foi imposto por decreto e para ser aprovado nos conselhos universitários enfrentou dezenas de ocupações de reitoria e contou com a repressão policial e todo tipo de manobra.
O governo Lula fez uma verdadeira contra reforma do ensino superior apresentando cada projeto de forma fatiada e contanto como fiel aliado a grande maioria das entidades tradicionais do movimento estudantil e sindical. No entanto, muitos estudantes, professores e servidores resistiram e durante esses 8 anos batalharam pela formação de uma opinião crítica à mercantilização da educação brasileira, à destinação de verba pública para a educação privada, ao sucateamento das universidades públicas e à transformação da educação em um serviço. Pela primeira vez o governo apresentou a sua contra reforma sistematizada, num projeto único, através do Plano Nacional de Educação. Não nos calarão. É hora de começar uma grande campanha em defesa da educação que queremos, contra o PNE governista e pela destinação imediata de 10 % do PIB para a educação.

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[1] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2010.
[2] Análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE).
[3] Segundo dados do último Censo da Educação Superior de 2009 divulgada pelo INEP: em 2002 o ensino superior público dispunha de 6.392 matrículas na modalidade à distância, em 2009 o número de matrículas passou para 665.429.
[4] Segundo dados do último Censo da Educação Superior de 2009 divulgada pelo INEP: em 2002 o ensino superior privado dispunha de 34.322 matrículas na modalidade à distância, em 2009 o número de matrículas passou para 172.696.

Congresso da UNE não tem nada a oferecer ao movimento estudantil

Jorge Badauí, da Secretaria Nacional de Juventude do PSTU

Realizado entre os dias 13 e 17 de julho, em Goiânia, o 52º Congresso da UNE escreveu mais um capítulo na história de decadência e submissão da tradicional entidade estudantil. Uma vez mais, o saldo deixado por esse congresso vai estar marcado pelo governismo, a ausência das lutas e a falta de independência política e financeira.

E enquanto esse filme se repete, nas universidades mais importantes do país, é espantoso como o congresso da UNE já não provoca nenhum entusiasmo na base. Outrora catalisadora dos sonhos e da rebeldia da juventude brasileira, a entidade é hoje um aparato fragilizado em sua relação com os estudantes.

Governismo escancarado
Pela quinta vez seguida, o congresso foi um festival de aplausos ao governo. Dilma e o ministro da educação, Fernando Haddad, seguirão com a UNE em seus bolsos e bem domesticada. Mas nem por isso o congresso deixou de render homenagens ao antecessor do atual governo.

Tido como convidado mais ilustre do congresso, Lula resumiu em uma frase o governismo da UNE nos últimos anos: “sou grato à UNE pela lealdade na adversidade” . De fato, os serviços prestados pela entidade ao governo federal têm sido enormes, contando, por exemplo, com o apoio ao REUNI, ao ProUni e o FIES e globalmente à política educacional em curso nos últimos 9 anos.

Também presente no evento, o ministro Haddad tratou de defender a UNE daqueles que a acusam de ser chapa-branca, como nós do PSTU e, atualmente, milhares de estudantes país afora. “Algumas pessoas imaginam que é possível comprar a consciência do movimento estudantil (sic) com alguns trocados. (...) Estudante não se vende por dinheiro nenhum, muito menos por migalha” .

Que os estudantes não se venderam, isso se continua vendo nas ruas, nas praças, escolas e universidades do Brasil. Já com a UNE, a história é outra. E o ministro sabe disso. E sabe também que não são exatamente “migalhas” o que o governo dispensa à UNE...

Independência financeira é bobagem para a UNE
O congresso foi financiado por nada menos que 5 ministérios do governo e 3 estatais. O governo do estado de Goiás e a prefeitura de Goiânia também entraram com sua cota. Mencione-se, ainda, a Confederação Nacional do Transporte (CNT). Tudo isso é público e a UNE não esconde: governos, ministérios, empresas estatais e até sindicatos patronais financiam o congresso.

Ás vésperas do congresso, a imprensa burguesa, naturalmente, tratou de usar esse fato para tentar desmoralizar o conjunto do movimento estudantil. Acuado, Augusto Chagas, que encerrava seu mandato na presidência da UNE, se defendia com fragilidade: “O patrocinador é o dinheiro público, é o dinheiro da União. Nós achamos que o congresso da UNE tem função pública. Ele serve ao Brasil” .

No sentido empregado por Augusto, “Brasil” é uma abstração em cujo interior cabem trabalhadores e patrões, o ensino público e o ensino privado, o governo e os estudantes. Mas se quisesse mesmo ser franco, Augusto reconheceria que a UNE tem recebido milhões em verbas públicas e privadas há anos, mas não sem conceder acenos e bajulações aos donos desse dinheiro.

Recentemente, o site da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), sindicato patronal do oligopólio das faculdades privadas, divulgou a realização de uma reunião entre tal associação e o próprio Augusto. Na pauta esteve o pedido de apoio financeiro ao 52º CONUNE. Na matéria, o ex-presidente da UNE declara: “Nós sabemos do papel que o ensino particular tem desempenhado historicamente na estruturação da educação brasileira” , relatando supostas batalhas que os estudantes teriam travado ao lado desses empresários.

É, na melhor das hipóteses, ingênuo crer que o financiamento e a conduta política de uma entidade jamais terão relação direta. Pior ainda seria supor ser mera coincidência a lealdade política ao governo federal e as polpuda verbas concedidas à UNE. Tudo isso é parte de explicar porque o congresso da UNE já não é capaz de refletir as principais lutas do movimento social brasileiro.

Lutas passaram longe
A programação do 52º CONUNE divulgada pela entidade é um retrato da acomodação e de sua ausência nas lutas em curso pelo país. Em um cenário de greves e mobilizações importantes, como a dos professores em diversos estados, dos funcionários das universidades federais e dos bombeiros do Rio, nenhum desses trabalhadores em luta foi convidado a falar ao congresso – somente o governo.

O cenário internacional em que a juventude marca presença na arena política, encabeçando mobilizações nos países arábes, na Europa e no Chile, também não merece – aos olhos da UNE – nenhuma centralidade em seu congresso.

Ocorre que a maior parte dessas lutas, direta ou indiretamente, se choca com governos, como Dilma e Cabral, ou secretários e reitores aliados da entidade. E em um sentido mais profundo, não são mais a rebeldia e a luta aberta que sustentam a UNE. O CONUNE não reflete as lutas, porque as lutas vão em sentido oposto ao que vai a UNE.

Qual a tarefa dos estudantes?
Por tudo isso, esse congresso não tem nada a oferecer ao movimento estudantil combativo. E isso se revelará no segundo semestre no debate de que tarefa os estudantes têm a assumir. Enquanto o governo prepara um ataque para os próximos 10 anos, com o novo Plano Nacional de Educação, a UNE vai apoiar esse projeto e “lutar” para que ele preveja o investimento de 10% do PIB para a educação.

Acontece que se o movimento social sempre exigiu um patamar superior de investimento na educação, o fez porque isso é condição para implementar um programa de universalização do ensino público. O novo PNE, no entanto, traça metas e estratégias que dão continuidade à política de pauperização do ensino público e promoção do ensino privado, inclusive com verbas públicas para esse fim.

Ao apoiar o PNE, portanto, a “luta” da UNE por 10% do PIB para educação, de conteúdo, pede mais verbas públicas para serem entregues ao ensino privado. De qualquer maneira, este semestre vai mostrar se a UNE quer mesmo lutar pelos 10% do PIB, porque até aqui a entidade está fora da Jornada de Lutas de agosto e das articulações do plebiscito nacional – ambas iniciativas de luta por aquela bandeira.

Ao menos que ache que o 52º CONUNE tem alguma coisa a oferecer ao movimento estudantil e que esse congresso fortaleceu a luta dos estudantes, a oposição de esquerda da UNE deveria romper, de uma vez por todas, com essa entidade. De todo jeito, esses companheiros devem agora se unir à ANEL na luta contra o PNE do governo e pelos 10% do PIB para a educação. E é fora da decadente União Nacional dos Estudantes que poderão organizar a luta, em unidade com todos os estudantes que não se prestam ao papel de capachos do governo federal.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Direto do Chile: Dirigente da ANEL relata os maiores protestos estudantis desde o final da ditadura

 Clara Saraiva, direto de Santiago (Chile)

 Mais uma vez, a ANEL tem a oportunidade de demonstrar sua solidariedade ativamente à luta da juventude; dessa vez a chilena. Todas as universidades e colégios aqui estão “en toma”, ou seja, ocupados pelos estudantes. A juventude está protagonizando gigantescas mobilizações, que já chegaram a reunir meio milhão nas ruas, em diferentes partes do país. O frio, terrível, não é suficiente para deixá-los em casa. Muito menos a propaganda midiática, o gás lacrimogêneo ou os jatos d água tóxica da polícia.

“La educación chilena no se viende: se defiende!”
Desde que estou aqui, em todos os lugares a luta estudantil se faz presente. Há cartazes colados por toda a cidade de Santiago, qualquer universidade ou colégio que passo tem enormes faixas deixando claro a ocupação. A televisão e os jornais sempre cobrindo com matérias e, quase todos os dias, algum protesto nas ruas. Um estudante me explicava que no Chile, todo ano tem lutas em defesa da educação, que acontecem em maio e junho. Agora, além de estarem se desenvolvendo já em julho, no meio das férias, e sem data pra terminar, estão acontecendo as maiores mobilizações estudantis dos últimos 30 anos.

A defesa é de uma educação gratuita, 100% estatal e de qualidade, combatendo a lógica de educação-mercadoria. Aqui no Chile, o nível de privatização das universidades é enorme. É o terceiro setor mais lucrativo do país. O governo Piñera, em suas declarações, defende abertamente a entrega da educação nas mãos das empresas e é odiado pelos estudantes em luta. E o ministro da educação então, Joaquin Lavín, é ridicularizado com bonecos e palavras de ordem, como uma que diz assim: “Quien no salta es Lavín!” – e todos pulam juntos.

Ontem fiz uma entrevista com representantes de ACES (Assemblea Coordinadora de Estudiantes Secundários) e de CONFECH (Confederacion Nacional de Estudiantes de Chile). Fomos convidados para participar de uma matéria na Rádio Comunitária 1º de Maio. É uma rádio de esquerda, que além dos programas musicais, sempre faz entrevistas e matérias de apoio às mobilizações.

Na entrevista e na rádio, os estudantes chilenos afirmaram muito a necessidade de seguir lutando sem aceitar as propostas do governo Piñera, que não atende suas reivindicações. Defendem uma reforma estrutural da educação no Chile, garantindo sua completa gratuidade. Hoje em dia, não há nenhuma universidade pública que não cobre taxa. Falava com uma estudante de direito da Universidad de Chile, a universidade pública mais importante, que me dizia ter que pagar para se matricular 3 milhões de pesos chilenos por ano (quase 10 mil reais)!

Outro problema grave tem a ver com as consequências do poderoso terremoto que atingiu o país no dia 27 de fevereiro de 2010. Muitos colégios e universidades tiveram problemas estruturais e foram evacuados de sua atividade acadêmica. O problema é que até hoje, estão do mesmo jeito. Ou os estudantes estão em condições perigosas e precárias na estrutura do prédio, ou foram transferidos para outros locais sem quaisquer condições de lhes abrigar. Exigem reformas estruturais e reconstrução dos prédios já.

As federações estão reivindicando a realização de uma Assembleia Constituinte e um Plebiscito Oficial sobre a educação gratuita, além da queda imediata do ministro da educação. Ressaltam, para isso, a importância da aliança entre estudantes e trabalhadores, e a luta tem tomado cada vez mais um caráter amplo, em defesa dos direitos e da qualidade dos serviços públicos. Sem dúvida a principal articulação foi da aliança dos estudantes com os mineiros, que estão em luta pela renacionalização do cobre. O Chile produz mais de 30% do Cobre para todo o mundo. É o maior produtor mundial. Nesta segunda-feira, dia 11, os mineiros da Codelco, uma estatal chilena, fizeram uma greve geral de 24 horas, na qual todos os setores pararam de acordo com a Federação de Trabalhadores do Cobre, que reúne mais de 15 mil mineiros. Essa é a primeira greve dos últimos 18 anos. Os prejuízos estão em torno de 40 milhões de dólares. Os trabalhadores estão lutando contra o projeto de "modernização" que o governo Piñera está implementando, que na prática avança para a privatização da estatal. Este é, sem dúvida, um claro exemplo de como o movimento estudantil pode trazer os trabalhadores para a luta, e ampliar suas forças através da aliança operário-estudantil. As entidades estudantis agregaram à sua pauta de reivindicações a exigência da nacionalização e estatização do cobre, além de lutarem contra a privatização da estatal Codelco. Exigem que a riqueza nacional do país seja revertida para as áreas sociais, como educação e saúde.

No Chile, um novo movimento estudantil pede passagem
Todos que eu conversei me dizem que além de mais pessoas e mais tempo lutando, as mobilizações de 2011 tem trazidos novas formas de lutar. Com uma empolgação contagiante, usam da criatividade para inovar nas lutas. Estive hoje presente no “Carnaval em Plaza de Armas”. É uma atividade que reuniu cerca de 1.000 estudantes, com o rosto pintado, fantasiados, com instrumentos e cartazes coloridos. Muita irreverência para defender a educação gratuita.

Semana passada, dezenas de milhares fizeram o “besáton”, dizendo que a educação precisa de entrega e compromisso, que precisa de paixão! Passaram meia hora entre casais, hetero e homossexuais, se beijando. Um protesto organizado pelas redes sociais, que trouxe um novo gás para a luta.

As manifestações culturais e lúdicas sempre estão presentes, deixando cada mobilização com a criatividade típica da juventude. Ontem, dia 12, me deparei no meio da rua com um estudante vestido de roupa de ginástica, dando voltas e mais voltas correndo em torno de uma praça, onde fica o "Palácio de La Moneda"', onde é a sede do governo federal. Colocou-se o desafio de correr em volta da praça por 1.800 horas, e a cada vez que cumpre uma volta, seus colegas dão gritos de incentivo. Há outro estudante que está em greve de fome. Parece que por aqui, para defender a educação, tudo é possível.

Também estão recebendo muito apoio dos seus pais e mães. Hoje estive num colégio ocupado e haviam duas mães ajudando no preparo das refeições – com a ajuda dos estudantes! – e me disseram que os pais devem se engajar também, que a luta pela educação deve ser de todos. Estavam muito orgulhosas de seus filhos.

A ANEL construindo a solidariedade latino-americana
As principais federações que estão dirigindo a luta estudantil sabem que existe uma entidade no Brasil que apóia sua luta. Levei a solidariedade da ANEL à reuniões da FECH (Federacion de Universidad de Chile), a maior e mais tradicional, da FEP (Federacion de Estudiantes de Pedagógico), uma universidade de licenciatura, da ANES (Assemblea Nacional de Estudiantes Secundários) e ACES (Assemblea Coordinadora de Estudiantes Secundários), entidade secundarista de Santiago. Lembrei dos momentos de luta contra o REUNI, em 2007 e 2008, quando ocupamos as reitorias das principais universidades do Brasil.

Em todas, fiz uma saudação da ANEL, explicando a situação da educação pública no Brasil, que é muito parecida com a deles, e lhes contando de nossa campanha prioritária contra o novo Plano Nacional de Educação do governo Dilma, assim como a exigência do investimento de 10% do PIB em educação. Aqui, o governo Piñera investe cerca de 3% do PIB apenas, e os movimentos têm exigido pelo menos 7%, além de que a verba pública seja fiscalizada e garantida para apenas escolas e universidades públicas.

Contei-lhes do processo de reorganização que vive o Brasil e a importância de termos uma entidade hoje para defender os interesses dos estudantes, de forma democrática e independente. Em todas as reuniões fui recebida muito bem e todos ficaram muito contentes de ver que podem contar com o apoio dos estudantes brasileiros. O sentimento de sermos “hermanos latino-americanos” esteve muito presente. Já que o imperialismo através do Banco Mundial e do FMI ataca de conjunto nosso direito à educação, com projetos de privatização e reestruturação, nossa resposta deve ser também articulada e lutando juntos.

A todos que conversei, disse da experiência da ANEL no Egito, e da importância que as lutas da juventude do mundo árabe e da Europa. Eles também acompanham e se identificam muito com essas lutas. Sabem que tem um caráter de questionamento de regimes, como a derrubada das ditaduras e o questionamento da falta democracia do sistema capitalista. Querem que a sua luta pela educação se desenvolva e questione cada vez mais o sistema. Sabem que pra isso precisam da aliança com os trabalhadores. Precisam da solidariedade latino-americana. E agora sabem também, que para seguir e fortalecer com sua luta podem contar com a “Assemblea Nacional de Estudiantes Libre”, de Brasil.

Santiago, 12 de julho de 2011

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Lutando para Lutar: A Anel e a Construção de uma Alternativa para o Movimento Estudantil Combativo

ELI MAGALHÃES

Certa feita, em um debate sobre a situação do movimento estudantil e o papel da União Nacional dos Estudantes (UNE), no ano de 2005, na Universidade Federal de Alagoas, um companheiro iniciou a atividade de maneira inusitada. Referindo-se a Gabriel García Márquez, em seu clássico Crônica de uma morte anunciada, arrematou que, como o escritor colombiano inicia seu livro, ele gostaria de iniciar o debate declarando a morte de seu personagem principal: a UNE.

Passados quase seis anos, é possível ser vista a seguinte notícia em inúmeros sítios da internet: UNE pede apoio a mantenedores de instituições de ensino superior particulares (
http://www.abmes.org.br/abmes/noticias/detalhe/id/230). Durante a leitura da matéria, encontra-se a seguinte passagem:

“Chagas [presidente da UNE] afirmou que a UNE está empenhada em fazer com que a educação possa se desenvolver no Brasil e ressaltou que muitas das batalhas têm sido vencidas junto com o setor privado. 'Nós sabemos do papel que o ensino particular tem desempenhado historicamente na estruturação da educação brasileira', reforçou, complementando que já foram superados alguns equívocos que impedem a visão clara da real contribuição do setor neste contexto”.


Ora, o leitor deve saber que uma Instituição de Ensino Superior privada é, na verdade, uma empresa. Uma empresa cujo objeto de atividade é a prestação de serviços na área de educação, é óbvio, mas ainda assim, uma empresa. Como se sabe, o objetivo principal de uma empresa (repetimos propositalmente este termo), pela sua própria manutenção, é a obtenção de lucro. O lucro, por sua vez, é também privado. E em um país em que 80% das matrículas no ensino superior estão no setor privado, e apenas 20% no setor público, este lucro não é pequeno.


A única contribuição do setor privado à educação nacional é a da transformação daquilo que é estabelecido como um direito fundamental de todos os cidadãos em mercadoria. A educação é garantida a você, contanto que tenha dinheiro para pagar por ela. Assim, no Brasil, menos de 15% da juventude tem acesso ao ensino superior. Que espetacular “contribuição”!


A UNE, no entanto, a reconhece. Não só busca parceria com a ABMES (Associação Brasileira de Mantenedores de Ensino Superior), como, assim diz a matéria de que tratamos, pede para que o seu 52º Congresso Nacional, seja financiado por ela.


Historicamente o movimento de luta pela educação combate pela garantia de uma educação pública universalizada e de qualidade. Ora, porque uma associação de mantenedoras de instituições privadas financiaria tal luta? É um completo contra senso doar fundos para aquele que declara uma luta feroz contra você. Ainda que não passe de uma proposta, que partiu da própria UNE, a ideia de financiamento de seu principal espaço político nacional por parte do setor empresarial da educação significa duas coisas simples: primeiro, a entidade abandonou completamente sua independência financeira do grande capital e especialmente do capital adquirido através da venda de um direito o qual ela deveria defender; segundo, o abandono desta independência financeira é causa e consequência do abandono de sua independência política, para permanecer na luta pela qualidade e garantia da educação para todos, em defesa da educação pública.


Passados seis anos, então, parece-nos que a forma de iniciar o debate fazendo referência à García Márquez continua válida. A UNE morreu. Aquela União Nacional dos Estudantes, que lutou, durante os períodos mais negros da ditadura militar, contra o governo repressor e seus planos de desbaratar completamente a educação pública no país através dos acordos MEC-USAID, não existe mais infelizmente. Aquela União Nacional dos Estudantes que levantou a palavra de ordem “O Petróleo tem que ser nosso!” pela completa estatização do petróleo nacional, hoje declara-se apoiadora incondicional do governo que organiza leilões das jazidas nacionais para as Big Oil's mundiais. Enche a boca para falar que defende 50% do Pré-sal para a educação, mas esquece de dizer que este 50% é apenas de seu fundo social, que não passa de míseros 9% da riqueza que ele representa, ficando 91% para a burguesia.


A UNE de hoje, recebe R$ 10 milhões do Governo Federal e assina embaixo de todos os seus projetos privatistas para a educação. É a UNE que apoia o financiamento público para universidades privadas com o ProUni (através da isenção de impostos de universidades privadas, já foi gasto o dobro do orçamento da educação e da saúde juntos através deste programa, que não foram investidos no setor público); a UNE que apoia a expansão precarizada das universidades federais com o ReUni; a UNE que apoia a avaliação punitiva e ranqueadora do SINAES (que inclui o ENADE, uma cópia piorada do Provão de FHC) e um longo etc. E hoje, nos Congressos da UNE, existem mais falas de ministros e secretários do governo, do que de estudantes e trabalhadores. E a entidade gasta mais tempo em reuniões de gabinete, do que na luta de rua pelos direitos dos estudantes.


Portanto, a UNE morreu, mas para a luta dos estudantes. Ela continua existindo, com bastante força inclusive, mas do outro lado do movimento pela educação. Apoiando toda a política de reforma universitária que foi implementada durante dois mandatos de Lula e que continua com o Plano Nacional de Educação de Dilma.


Frente a isto, em 2009 surge a Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre. A ANEL é um acúmulo de um setor do movimento que desde 2003 rompe com a União Nacional dos Estudantes e declara-se independente dos governos, de suas políticas e de seu dinheiro. O objetivo principal da entidade é a recuperação da autonomia do movimento estudantil e sua reorganização para o combate em defesa do direito à educação pública, gratuita e de qualidade. No último feriado de Corpus Crhisti, de 23 a 26 de Junho, foi realizado o seu primeiro Congresso Nacional na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, quando a entidade completava dois anos de existência.


Durante o Congresso, foram feitos debates e propostas para a atual situação do movimento estudantil nacional. Ele inicia com um balanço positivo dos dois anos de atuação da ANEL. Neste período, a entidade tocou campanhas importantes como de solidariedade às vítimas do terremoto do Haiti em conjunto com a retirada das tropas brasileiras que ocupam militarmente o país; pelo Fora Sarney, envolvido com casos de corrupção, e pelo fim do Senado; pela organização de um dia de luta nacional contra o aumento das passagens de transporte público; pela criminalização da homofobia etc. Recentemente, a ANEL-RJ esteve intimamente envolvida com a luta dos bombeiros unificada com aquela dos professores do estado, que chegou a mover 50 mil pessoas no Rio de Janeiro. A ANEL-AL esteve entre as principais entidades das mobilizações pelo Fora Téo, contra o governo tucano do estado, com passeata de quase 2 mil pessoas. A ANEL-RN segue firme na luta pelo Fora Micarla. E estes são apenas alguns exemplos.


O Congresso reafirmou os quatro princípios da entidade, que permitiram que estas campanhas pudessem ser tocadas: ampla democracia interna; aliança com a classe trabalhadora; independência financeira; e ação direta. As falas de entidades convidadas ao evento confirmam o compromisso da ANEL com as lutas dos trabalhadores e de todos os explorados e oprimidos. Durante os debates, os estudantes presentes puderam receber saudações de sindicados e movimentos como o ANDES-SN, o MST, o MTST, o comando de Greve dos trabalhadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, do sindicato da construção civil de Fortaleza, da CSP-Conlutas, sem falar em saudações internacionais de estudantes participantes do movimento 15-M espanhol, responsável pelas recentes ocupações de praças no país, de um estudante suíço que fez um relato sobre as lutas da juventude europeia como um todo, estudantes argentinos que participaram do recente estudiantazo em 2010, com ocupação da Universidade de Buenos Aires, de participantes da 3ª Intifada Palestina, além do relato da própria militante enviada pela ANEL para a cidade do Cairo no Egito, Clara Saraiva. Foram pontos fortes as saudações feitas pela professora Amanda Gurgel e por uma das lideranças do movimento dos bombeiros no Rio de Janeiro, o Cabo Daciolo.


Os debates foram organizados em plenárias e grupos de discussão e decorreram com bastante democracia e ampla abertura de participação dos estudantes. Nem sempre foram calmos, mas ocorreram mesmo momentos de polêmicas acaloradas. O tema do apoio aos bombeiros chegou a dividir o plenário, ficando uma ampla maioria na defesa do apoio, enquanto a minoria, organizada em torno do bloco Anel às Ruas (algo próximo a 100, dos 1700 participantes), defendia uma posição de contrariedade ao apoio à luta da categoria combinada com uma oposição a Sérgio Cabral.


Este contudo, não foi o principal tema do congresso, mas cremos que outros três foram de importância capital: a aprovação e organização de uma campanha nacional de exigências de 10% do PIB para a educação já e contra o PNE de Dilma; as resoluções que denotam a preocupação dos estudantes da ANEL com a necessidade de trabalho de base, revertendo anos de atraso deixados pela UNE neste campo, numa luta audaz pela reconstrução do movimento estudantil brasileiro em cada universidade e escola do país; as resoluções resultantes dos debates acerca do combate às opressões como racismo, machismo e homofobia, que foram temas acerca dos quais os estudantes dedicaram parte considerável das discussões, com direito a atos políticos durante o próprio congresso contra o machismo e a homofobia.


Para além da programação oficial, muitos eventos eram realizados paralelamente, nos espaços de folga. Foram reuniões de estudantes por cursos, que discutiram os problemas específicos de suas áreas; reuniões de coletivos e bancadas; lançamentos de livros; palestras sobre a situação internacional etc. Dentre esta miríade de atividades, nos interessou particularmente o lançamento do livro Sociedade de classes, direito de classes, de Juary Chagas. A atividade foi construída em um dos espaços vagos da programação, logo após um dos almoços. Juary, que lançou seu livro pela Editora Sundermann, apresentou em linhas gerais sua obra. Seu discurso foi acompanhado por um punhado de estudantes de direito que levantaram temas de debates como o papel do direito na dominação dos oprimidos, os equívocos das estratégias reformistas que se limitam na luta por direitos, a necessidade de se pensar o direito na transição para o socialismo. Também acompanhou o debate a professora Amanda Gurgel, amiga e camarada que milita no mesmo estado do autor do livro. Após o debate, os estudantes de direito aproveitaram para fazer uma reunião para a discussão de problemas de seus respectivos cursos.


Na relatoria das resoluções da plenária final do Congresso da ANEL, o leitor poderá encontrar inúmeros outros pontos relevantes de discussão. Seria impossível nos limites deste texto comentar todas as propostas aprovadas, que incluem temas como: democratização das comunicações no país; luta contra o agro negócio; luta em defesa do meio ambiente e contra o Código Florestal de Aldo Rebelo (PCdoB e ex-diretor da UNE); contra a criminalização dos movimentos sociais (debate que contou com a presença de militantes presos no Rio de Janeiro durante a visita de Obama); pela construção livre da arte e cultura e contra a lei Rouanet; a preocupação com um esporte livre do capital e voltado para a realização humana, como não acontece com os mega eventos que vêm sendo preparados como a Copa do Mundo e as Olimpíadas etc.

Recentemente, a professora Amanda Gurgel recusou um prêmio oferecido pelo Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE), que a titulava como importante brasileira na construção da educação. A recusa da professora se deu por um motivo simples: não se luta pela educação ao lado dos empresários que lucram com a venda dela. O recado da ANEL é, portanto, muito claro. O dinheiro e o apoio do Governo Federal e da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior que fique com a UNE. Os estudantes que constroem a ANEL ficam com Amanda Gurgel, com os trabalhadores que lutam em Jirau, na USP, e em todo o país, com a juventude revolucionária do mundo árabe, com a juventude em luta da Europa e do resto do mundo, com os palestinos que se enfrentam com a política reacionária de Israel, e, especialmente, com a luta por uma educação efetivamente pública, de qualidade e universal. Agora é voltar para as universidades, para as escolas, e enfrentar o marasmo que foi deixado pela UNE. É hora de sacudir o movimento estudantil.

terça-feira, 12 de julho de 2011

CORDEL DA ANEL




CORDEL DA ANEL
Por Nando Poeta

A juventude no mundo
Sempre fez parte da cena.
De sair em turbilhão
Numa resistência plena.
Lutando por seus direitos
A conquista logo acena.

No centro, revoluções
Buscando o desconhecido.
Ultrapassando as muralhas
Do viver apodrecido.
Os jovens abraçam sonhos
Pra o mundo ser construído.

A sua energia espalha
Nas ruas rompem correntes.
Quebrando as velhas amarras
Em todos os continentes.
Abrindo no chão veredas
Influi corações e mentes.

Na história da humanidade
Um mundo de rebeldia.
Na luta por liberdade
Ditador se repudia.
Correr atrás da igualdade
Nunca será utopia.

No Maio em sessenta e oito
Trilhou-se um fértil caminho.
Em todo planeta terra
Foi grande o redemoinho.
Flores brotando da luta
Se separando do espinho.

Aqui no Brasil fervia
Uma cruel ditadura
Que impões ao movimento
A virulenta censura.
Com corte de liberdade
Recheada de tortura.

Lutadores sociais
Tratados como bandidos.
Dirigentes sindicais,
Estudantes perseguidos.
Por militares maldosos
Que assassinavam oprimidos.

Estudantes não se rendem
Alimentam a resistência.
Ditadura sanguinária
Com bastante truculência.
Impõe a força agressiva
Na mais cruel violência.

Entidades destroçadas
Tiradas fora do mapa.
Era a multidão na rua
Tratada com bala e tapa.
Assassinatos cruéis
Como o que ocorreu na Lapa.

Mas o ME na frente
Tocou o seu movimento.
Reconstruiu entidades
Enfrentou todo tormento.
Diretas, já e Anistia
Esse foi o engajamento.

E nas universidades
Também em secundarista.
ME passa a ter voz
E tem a grande conquista
De voltar a encher as ruas
Contra o capitalista.

Já no governo Sarney
A UNE se ajoelha
Deixa toda patronal
Puxar bem sua orelha.
Até Marco Maciel
Com ela se aparelha.

Bem lá nos anos noventa
Uma década perdida.
O Collor com pé na bunda
Do poder perde a guarida.
Foram os caras pintadas
Que na rua deu partida.

Depois dessa grande luta
Fica frio o movimento.
UNE E UBES se acomodam
Faz um forte juramento
De juntar-se à governante
Para receber provento.

No Itamar, FHC
Já foi muito serviçal.
Com o PT no poder
Lá no Planalto Central.
A UNE E UBES estiveram
Preso ao laço umbilical.

Ficar distante da base
É uma prática da UNE
Atrela-se ao governo
Aprovando o REUNI
Que sucateia o ensino
Deixando o governo impune.

O caminho da UNE é,
Desencontro, se perdeu.
Surge novo movimento
É real, já floresceu.
É ANEL brotando a luta
Num jardim que não morreu.

As verbas públicas minguada
Sofrendo um duro corte.
O ensino em agonia
Esperando só a morte.
Dinheiro pra tubarão
Continua em Dilma forte.

Nos Decretos dos governos
Educação é mercado.
Todo ensino quer é público
Estar sendo triturado
Entregue aos tubarões
De prêmio pelo Estado.

Queremos muito mais verbas
Professores concursados.
Movimento estudantil
Que tenha como aliado
A classe trabalhadora
E todo povo explorado.

Defender a autonomia
Pra ANEL é seu insumo.
Um ensino democrático
Projeto fica no prumo.
Nas praças de todo mundo
Buscaremos o nosso rumo.

ANEL sempre pra lutar
Presente no dia no dia-a-dia.
A nossa educação
Não será mercadoria.
Pra conquistar os direitos
Ocupa até reitoria.

Aqui, nas praças e no mundo
O novo pede passagem.
E nesse time de luta
Só joga quem tem coragem.
A UNE já é entulho
É essa nossa mensagem.

É preciso o movimento
Fortalecer a ANEL.
Para que as nossas lutas
Não fique só no papel.
Guarde logo na cachola
O que diz esse cordel.