![]()  | 
| "NÃO SOU CAPACHO DO governo federal, SOU ESTUDANTE LIVRE DA ASSEMBLEIA NACIONAL" | 
Por Roberta Dominici*
À caríssima senhora, Injustiça Social.
Venho por meio desta, 
cordialmente dizer-lhe quem são estes baderneiros, senhora. Pedimos que 
não se sentisse agredida, por enquanto, já que estamos apenas começando 
nossa guerra possante de línguas de fogo. 
Viemos trazer à sua ciência a resposta da pergunta que fizeste ao ver-nos caminhando
 a passos pesados e ligeiros procurando fita durex e caneta colorida 
para assim nos armar contra ti. Assustaste? Sabemos que sim. É claro que
 ficarias preocupada, mesmo porque somos... Calma...
Observaste nossas correrias, 
nossa rifa, e o passar de horas a fio pedindo dinheiro nos sinais de 
trânsito, depois contando cada centavo como se os tivéssemos ganhado na 
loteria. Alguns de nós, a perder aulas na faculdade, outros saindo 
direto do trabalho para os ditos pedágios. Fizemos reuniões várias vezes
 por semana. Preparamos coisas para dizer, coisas para fazer, alguns 
choraram e se recompuseram rapidamente. Sim, somos um bando de 
conspiradores e estamos todos contra você.
Tentaste até nos derrubar no 
último momento antes do que seria nosso primeiro grande golpe contra sua
 existência. Por conta disso alguns não estiveram presentes no evento 
meticuloso que organizamos, por outros motivos pessoas extremamente 
importantes para nós também não estiveram. Tivemos crises de ódio, 
falamos palavrões consecutivos (expressões horrorosas!), mas você não 
sabia não é? Somos altamente perigosos e perigosas, e pior, somos 
birrentos, altamente birrentos e vorazes, pessoas que podem e nessa leva
 um dia vão acabar com a sua vida. É este o nosso projeto. 
Acordamos cedo e marcamos um 
encontro, pegamos um ônibus, atônitos e cheios de amor e ódio. No 
caminho, o pneu furou (estamos rindo disto), não gastamos energia com 
raivinhas, fomos jogar bola ou dormir. Dois dias de viagem e chegamos.
Estávamos sedentos de... Algo 
que não sei de exato o quê, mas faço uma idéia. Dois dias num ônibus. 
Poderíamos ter nos irritado, mas nossa sede de vingança é tanta, que nos
 fez organizar debates durante a viagem, foram intervenções cambaleantes
 nos buracos da estrada, porém sólidas e violentas no conteúdo.
Chegamos
 ao nosso destino numa noite fria, e calculistas nos destinamos ao 
jantar, ansiosos e prepotentes. Iniciamos no dia seguinte nossa 
trajetória de guerra. Fizemos intervenções avassaladoras, tiramos atos 
grandiosos, reclamamos e propusemos soluções, exigimos sermos escutados e
 atendidos. Compramos camisas com poesias e frases de luta e as exibimos
 com êxito. Pela noite nos encaminhávamos às festas, bebidas e aos 
amores que qualquer viagem proporcionaria, porém, mesmo na madrugada 
fria que se fazia quente por conta dos corpos que se colavam, sabíamos 
por que estávamos ali, sabíamos o que queríamos e sem dúvida lutaríamos 
novamente assim que amanhecesse. 
Houve no último dia, deste nosso
 início, uma Plenária “final”, onde consolidamos nossas decisões tiradas
 nos grupos de debate. Lemos cada proposta com atenção, levantamos 
nossos crachás com fé, uma fé inenarrável num futuro magistral, que é o 
que queremos e merecemos.
Gritamos com afinco palavras de 
ordem, que refletiam nossa indignação e levante de luta, nos enfrentamos
 entre si, para o nosso crescimento, discutimos, fomos provocados, e 
talvez provocamos, também. Fizemos alianças importantíssimas com a 
classe trabalhadora, explorada como nós, nossos pais e professores, e 
até com a polícia. Sem falsa modéstia, uma ação de alta esperteza de 
nossa parte. 
Ficamos roucos, mas não paramos 
de falar, aliás, como sempre acontece nessa redoma cortante que é a casa
 onde tu nos prendeste há anos, e de onde queremos sair. Ficamos 
doentes, e saímos doentes para te combater, esquecendo deste fato. As 
doenças se tornaram todas secundárias, porque o que nos interessava, era
 e é o simples fato de que queremos a sua cabeça numa bandeja, para 
assim atear fogo nela.
Terminamos o evento, não com a sensação de dever cumprido, mas de dever iniciado a se cumprir, queremos sempre mais.
Na volta, o cansaço nos 
agarrava, porém nada que impedisse a ciência de todos, de que 
precisaríamos de mais um debate, para um breve balanço. Era unânime, ou 
pelo menos quase, o fato do evento ter sido magnífico.  
Hoje, estamos em casa, de volta à
 vida normal: trabalho, escola, faculdade. Ainda temos no corpo as 
marcas de uma semana de energias gastas, estamos nos recuperando. Na 
alma, a sensação de vitória de uma batalha vencida. Imagino como esteja a
 senhora. Sim. Alguns pontos na cabeça, um braço, perna ou dente 
quebrado, aqui e ali. Perdoe a sinceridade, mas ficamos extremamente 
felizes por suas dores. Como se diz aqui no Ceará: “começa assim, depois
 piora!” E vamos nos dedicar para que piore. 
Até porque, não somos um exercito com um número limitado de soldados, somos um exercito que cresce a cada dia,
 visto nosso evento, por volta de 1.700 estudantes, universitários e 
secundaristas de 23 estados do país. Todos, volto a dizer, com o projeto
 de sua morte imediata. Nossas armas? Nossas línguas de fogo, que 
atravessam mundos por sua força, nossos cérebros dotados de inteligência
 e perspicácia, nossas mãos calejadas do trabalho árduo, nossos pés 
cansados que andam à cata de alimento libertário, nossa sede de vingança
 e o ódio com o qual tu nos criaste desde crianças.
E nossa luta não termina aqui, começa. Estamos atrás de você, e vamos te pegar. Isso não é uma ameaça, é um aviso.
Nasce uma nova organização de 
estudantes. Estudantes que são todos, ao mesmo tempo, professores, 
pedreiros, bombeiros, servidores públicos, trabalhadores explorados por 
você há tantos anos. Estudantes, pessoas sedentos de vingança. Pessoas 
cansadas de ver tua cara de pau por toda parte da cidade, pessoas 
conscientes e que conscientizam, exaustas do contraste que tu causas em 
nossos lugares, em nosso país, em nosso mundo. Fatigados dessa terra sem
 dono, sem justiça. Desse sistema que gera dor, fome, miséria, cansados e
 cansadas, dessa exploração, dessas opressões, desses medos cotidianos. 
Só queremos o fim desse sofrimento. Só queremos não ouvir mais o seu 
nome, cara destinatária. E vamos lutar para isso.
Somos lutadores e lutadoras, 
militantes, da Assembléia Nacional dos Estudantes, e mais, somos livres e
 queremos ser mais ainda. Livres de você. 
* Estudante de Letras na UFC que constrói a ANEL - CE.

E nossa luta está apenas começando...
ResponderExcluir